Augusto Melo pode estar em seus últimos dias como presidente do Corinthians. O futuro depende da votação marcada para segunda-feira, quando conselheiros decidirão se o dirigente deverá ser afastado provisoriamente, até que os sócios se decidam pelo impeachment ou pela continuidade. O motivo de seus problemas, o primeiro grande negócio de sua administração. Mais especificamente, um intermediário.
Alex Fernando André, o Alex Cassundé, foi aliado de Augusto durante a campanha eleitoral. Em dezembro do ano passado, quando o patrocínio com a VaideBet foi negociado pela diretoria, ele foi nomeado intermediário do contrato e passou a ter o direito de receber R$ 25 milhões em comissão — equivalentes a 7% do montante total do negócio.
Investigado pela Polícia Civil há seis meses, alvo de reportagem que aponta para transferência do dinheiro para empresa de fachada, o intermediário é figura central do pedido de impeachment apresentado por conselheiros contra Augusto. E, neste momento, em que a sua história vem sendo contada com os viéses de situação e oposição, o ge buscou documentos para registrar o que há de concreto no caso.
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Alex Cassundé presta depoimento em São Paulo — Foto: José Edgar de Matos
Minutas contratuais
O contrato do Corinthians com a VaideBet passou por sete versões. A primeira, um rascunho feito pelo departamento jurídico do clube, leva a data de 2 de janeiro de 2024. A última, assinada por todas as partes, ficou pronta em 4 de janeiro. O ge obteve cópias de todas as minutas.
Alex Cassundé não foi inserido até a terceira versão — a primeira a ser revisada por um representante da casa de apostas. Daniel Sitônio, diretor jurídico da VaideBet, deixa um comentário logo na primeira página, no lugar destinado à inclusão do intermediário (veja abaixo):
— Há intermediário nessa contratação?
A VaideBet, procurada pela reportagem, preferiu não se pronunciar sobre o assunto.
Foi só então, na quarta minuta, que a empresa Rede Social Media Design foi inserida com todos os seus dados no contrato de patrocínio. O documento identifica cada uma das partes relacionadas e atribui à firma a intermediação das negociações que resultaram na assinatura.
Ficou então estabelecido que o Corinthians receberia R$ 360 milhões ao longo de três anos contratuais, mais R$ 10 milhões em luvas. A empresa de Cassundé passou a ter direito a 7% apenas sobre o primeiro valor, equivalentes a R$ 25 milhões, líquidos de impostos, taxas e contribuições.
O estouro da crise
O patrocínio da VaideBet ao Corinthians deixou a editoria do marketing esportivo e passou para as páginas policiais em maio deste ano. O jornalista Juca Kfouri publicou em seu blog, no UOL, que havia um “laranja” na intermediação do negócio.
Entre 18 e 21 de março, de acordo com o repórter, a Rede Social Media Design recebeu pagamentos do Corinthians na soma de R$ 1,4 milhão. Nos dias 25 e 26 do mesmo mês, a empresa repassou pouco mais de R$ 1 milhão para outra firma, Neoway Soluções Integradas em Serviços.
A Neoway tem como sócia uma mulher chamada Edna Oliveira dos Santos, moradora de uma casa de tijolos, sem reboque ou acabamento, sem eletricidade, em Peruíbe, praia do litoral sul de São Paulo.
Já o endereço da empresa consta como Avenida Paulista, 171, quarto andar, num espaço de coworking que jamais havia sido frequentado por alguém da companhia, segundo recepcionista consultada pelo jornalista.
A publicação da reportagem motivou a abertura de inquérito da Polícia Civil, instaurado em 28 de maio pelo delegado Tiago Fernando Correia. O patrocínio foi rompido em 7 de junho. A VaideBet acionou a cláusula anticorrupção do contrato e encerrou o vínculo antecipadamente.
O depoimento para a Polícia
Alex Cassundé prestou depoimento para a Polícia Civil em 25 de junho. Diante do delegado Tiago Pereira Correia e do promotor de justiça Juliano Carvalho Atoji, o empresário contou que começou a trabalhar com o Corinthians por indicação de Sérgio Moura, então diretor de marketing.
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Augusto Melo e Sérgio Moura em apresentação da VaideBet no Corinthians — Foto: Jozzu/Agência Corinthians
Cassundé disse à polícia que não tinha experiência com intermediação. O histórico dele era com a área de vendas. Incentivado por Moura a buscar patrocínios para o Corinthians, ele relatou que havia pedido “dicas de como conseguir contatos” ao ChatGPT.
Depois, com pesquisas no Google e no LinkedIn, ele havia estabelecido contato com um André. Este, por sua vez, não dera muita credibilidade ao intermediário, por já ter contato com a diretoria do clube.
Seguindo o depoimento, Cassundé disse que então fez contato com Moura, que tiraria alguns dias de folga e pediria para que ele fosse até o Parque São Jorge, atrás de Marcelinho. Ele se referia a Marcelo Mariano, diretor administrativo. A ida à sede corintiana aconteceu por volta de 20 e 21 de dezembro. Cassundé se apresentou a Marcelinho, dizendo ter trabalhado na campanha de Augusto.
De acordo com o relato, houve uma reunião do Corinthians com dois “Andrés” — o intermediário descobriria posteriormente que havia um André no departamento financeiro da VaideBet, André Murilo de Barros Paz Bezerra, e outro, o próprio presidente, José André da Rocha Neto. Mas ele mesmo, Cassundé, não participou do encontro para a negociação.
Depois que houve o acerto entre o clube e a patrocinadora, Cassundé afirmou ter perguntado a Moura se ele receberia alguma comissão, no que o diretor de marketing havia respondido que sim. O intermediário perguntou se seriam 20%, e o dirigente negou, dizendo que o máximo era de 10%, mas que o percentual seria mais baixo do que este.
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Trecho do depoimento de Alex Cassundé à Polícia Civil — Foto: Reprodução
De acordo com o termo de declarações, Cassundé esclareceu categoricamente que em nenhum momento exigiu comissão pela intermediação do patrocínio. Ele concordou que não fez a intermediação do contrato, mas sim uma indicação, não tendo participado de qualquer negociação. Nas palavras descritas no documento, ele realizou “quase que uma espécie de trabalho de telemarketing”.
Por volta de 30 de dezembro, ainda segundo Cassundé, Moura ligou para ele com o recado: o intermediário precisaria passar o CNPJ de sua empresa, a Rede Social Media Design, para que fosse confeccionado o contrato. No começo do ano, o instrumento já estava em seu e-mail.
Já sobre o pagamento para a empresa Neoway, exposta na reportagem, o empresário justificou à polícia que pretendia começar um negócio de plano de saúde pet, com um sistema de telemedicina. Ele queria comprar uma empresa ou um software pronto.
Cassundé disse que fechou negócio com um homem que conheceu numa feira, chamado Maurício, a quem pagou R$ 1,06 milhão à vista para adquirir tal sistema. A polícia quis saber se ele tinha experiência no mercado de pet ou telemedicina. O intermediário respondeu que não. Ele também alegou que não havia guardado atas de reunião, pré-contratos ou documentos. Nem havia tampouco contato com Maurício. Segundo Cassundé, o homem havia sumido. Ele levara um golpe.
Celular apreendido… e apagado
O trabalho da polícia nos últimos seis meses tem sido o de buscar provas que corroborem, ou contradigam, o conteúdo dos depoimentos já coletados. No caso específico de Alex Cassundé, houve um contratempo. O celular que o empresário entregou às autoridades teve seus dados apagados no dia posterior ao início do inquérito.
A conclusão consta do relatório técnico de análise dos dados telemáticos, cuja cópia foi obtida pelo ge. Nele está descrito que os registros (logs) são datados somente do dia 30 de maio em diante, o que sugere que o aparelho foi restaurado ou reinicializado por volta dessa data.
– As conversas que constam do aparelho são todas posteriores ao final de maio de 2024, sendo certo que a evidência acima colacionada, relativa aos logs, reforça a hipótese de que o telefone entregue por ALEX FERNANDO ANDRÉ foi configurado ou restaurado, fazendo-nos concluir, assim, que todas as informações anteriores ao dia 30.05.2024 podem ter sido deliberadamente apagadas — descreve a Polícia Civil.
A defesa de Alex Cassundé não enxerga obstrução de justiça neste caso.
– Que eu saiba não houve qualquer obstrução . Possivelmente é que o WhatsApp tem mensagens que se apagam automaticamente , tem gente que deixa todas as mensagens assim. É importante lembrar que, mesmo assim o fosse, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo, é um princípio legal – afirmou Cláudio Salgado, advogado do empresário.
Guerra de narrativas
O inquérito da Polícia Civil ainda não terminou. O delegado Tiago Fernando Correia aguarda a quebra de sigilos bancários para avançar na investigação, bem como os depoimentos de José André da Rocha Neto e André Murilo de Barros Paz Bezerra, proprietário e diretor financeiro da VaideBet, ambos na condição de testemunhas.
Até o momento, nenhum dirigente do Corinthians foi indiciado ou tratado como suspeito de irregularidade no inquérito policial. É a este fato que os apoiadores de Augusto, na política alvinegra, se amparam para argumentar que a votação do impeachment não deve ser realizada.
Formou-se divisão entre defensores e detratores do cartola. Enquanto a maior torcida organizada do clube, a Gaviões da Fiel, reforça a ideia de que Augusto não deve ser julgado pelo Conselho antes do fim do inquérito, conselheiros têm demonstrado nos bastidores propensão à destituição do cartola. Na segunda-feira, pode haver um desfecho.
Fonte: Ge