Alerta de textão. Não tem como passar a limpo a trajetória de Rodrigo Caio no Flamengo sem falar e escrever muito. Tudo foi superlativo nesses cinco anos. Quando deu certo, sorriu e venceu muito. Quando deu errado, se lesionou e sofreu muito.
A transformação nos cinco anos de Rio de Janeiro, em passagem que terminou com reverências da torcida no último domingo com Maracanã cheio, vai além do zagueiro com 11 títulos vestindo rubro-negro. O Rodrigo que deixa o Flamengo tem mais do que um corpo mudado. A mente e, principalmente, as prioridades são outras.
Rodrigo Caio se despede do Flamengo em jogo contra o Cuiabá — Foto: GILVAN DE SOUZA/FLAMENGO
Em uma hora e 10 minutos de conversa com o “Abre Aspas”, Rodrigo desabafou, se emocionou, projetou o futuro, mas, acima de tudo, fez alertas em forma de reflexões:
– As dores me fizeram refletir muito sobre o que o Rodrigo tem após o futebol. Às vezes, ficamos obcecados em jogar, treinar muito, isso, aquilo e não entendemos que a vida não acaba quando acabar o futebol. Eu tenho mais 50 anos pela frente e preciso estar saudável para aproveitar a vida, meus filhos, minha esposa, minha família…
Não é exagero dizer que o zagueiro chegou ao extremo físico e mental por conta dos muitos problemas médicos. São mais de 300 dias e 58 jogos fora de combate nesses cinco anos de acordo com levantamento do site “Transfermarkt. Cirurgias, dores e até uma infecção hospitalar que o fizeram cogitar a aposentadoria no início de 2022, aos 28 anos.
Rodrigo Caio, do Flamengo, em entrevista ao “Abre Aspas” — Foto: André Durão / ge
– Eu estava no limite, peguei infecção, perdi oito quilos, pesei 67kg e estava muito mal. Treinava e saía fogo pela minha orelha, pela minha boca, de tanto antibiótico que eu tinha tomado por quase um mês.
“Era dor para caramba e eu falei: “Cara, vou parar!””
O suporte da família e a relação com a religião ajudaram a superar os dias de dúvidas e dores. As recordações, por sua vez, seguem vivas e fazem com que Rodrigo Caio use seu testemunho como um alerta. Não pelas lesões, mas pelos impactos externos de tudo o que aconteceu.
O zagueiro faz questão de ressaltar que sempre sentiu o suporte do torcedor do Flamengo nas ruas. Nas redes sociais, no entanto, as piadas como “está se formando em medicina” ou “é jogador de vidro” machucaram, assim como a falta de diálogo e carinho de lideranças do departamento de futebol.
– Eu nunca quis isso para a minha vida, nunca quis me machucar. É claro que eu senti falta de uma conversa, de me chamar e falar “estamos com você. O que você precisa? Precisa de ajuda?”. Por mais que a gente seja forte, em algum momento a gente baqueia. A gente chega em casa e pergunta a razão. Por que acontece isso comigo? Em alguns momentos, eu me perguntei.
– Há pessoas que a partir de brincadeiras não estão nem aí para o seu bem-estar mental e físico, pessoas que não querem saber se você vai conseguir passar pelas dificuldades, querem brincar e zoar. Elas têm que ter essa atenção. O Rodrigo conseguiu superar, mas e o João: será que vai conseguir? Isso pode acabar não só com a carreira, mas com a vida de uma pessoa.
Livre no mercado, Rodrigo Caio desfruta das férias com a certeza de que a carreira como jogador vai continuar. Se as oportunidades não foram muitas, principalmente com Jorge Sampaoli, o ano de 2023 foi imune a lesões e ele aguarda movimentações do mercado:
– Ainda me sinto muito apto para performar. É isso que me motiva para continuar. Eu não quero ficar sofrendo e batendo cabeça se física e tecnicamente não estivesse bem.
O próximo clube terá a seu dispor um Rodrigo Caio diferente daquele jovem vigoroso dos tempos de São Paulo e início da passagem pelo Flamengo. E as novas características quem define é o próprio atleta.
– Eu não sou o jogador que era cinco anos atrás. Quando você passa por lesões que te machucam, isso é natural e eu tenho essa consciência. Algumas valências que eu tinha três, quatro anos atrás, eu não tenho mais. Mas eu não precisava usar outras características que hoje eu tenho o entendimento. Saber encurtar os espaços, jogar com a inteligência, e eu acho que isso faz a diferença.
Aos 30 anos, Rodrigo Caio garante estar com mente e corpo sãos para os próximos desafios. E se alguém tiver dúvida baste ler os muitos parágrafos abaixo para saber o que pensa o zagueiro após cinco e intensos anos de Flamengo. Respira que lá vem textão!
O Flamengo teve um 2023 difícil, sem títulos e com derrotas marcantes, mas você conseguiu passar sem lesões graves – por mais que não tivesse jogado tanto. O sentimento é de alívio por conseguir se manter saudável, há o que se comemorar neste sentido?
– Com certeza. Para mim, foi um ano muito positivo. Não perdi treinamento, consegui manter uma regularidade de treinos. Claro que o jogador só fica 100% feliz quando ele joga, quando performa em jogos. Não tive oportunidades para que isso acontecesse, mas não posso deixar de enaltecer um ano sem lesões, presente em todos os treinamentos. Quando tive oportunidades, procurei aproveitar o máximo possível por mais que tenham sido poucas. Nos anos anteriores, passei por algumas lesões que acontecem e a gente não consegue prever, principalmente as articulares. Mas fico feliz por esse lado. Só eu sei o quanto trabalho no dia a dia para estar saudável. As oportunidades não surgiram, mas foi um ano positivo fisicamente.
Você acredita que essa falta de oportunidades pode ter sido condicionada por uma preocupação com o seu histórico de lesões ou foi mesmo uma questão técnica?
– É até difícil falar porque eu não tive muito contato. Com o Vitor (Pereira), quando ele chegou eu não estava em uma situação boa. Fisicamente, eu não estava confortável. Estava sofrendo muito para treinar. Muito, muito! Eu vinha de uma lesão na época do Dorival e sofria muito. Saia do treinamento destruído, mas foi uma adaptação. Meu corpo foi se adaptando, fui me sentindo cada vez melhor, e o Vitor teve essa paciência, foi um cara importante. Eu fui evoluindo, comecei a ter oportunidades e ele viu que eu poderia ajudá-lo. Até por isso, me deu uma sequência de dois, três jogos… Quando ele saiu, foi no momento em que eu estava melhor e me sentia fisicamente bem. Eu treinava forte e a minha recuperação era boa. Quando o Sampaoli chegou, as perspectivas eram das melhores. Pelo estilo de jogo dele, pelo meu estilo, eu achei que as oportunidades iam surgir. Não que eu tivesse que ser titular, isso você conquista nos treinamentos e nos jogos.
Bruno Henrique, Rodrigo Caio e Éverton Ribeiro no banco: rotina com Sampaoli — Foto: André Durão/ge